Para ir além do discurso, governo Lula precisa liderar o tratado global contra poluição plástica
À medida que a Semana do Clima da ONU reúne líderes globais em Nova Iorque, a atenção se volta para uma crise muitas vezes subestimada: a crescente ameaça dos plásticos ao clima e a ausência de posicionamentos dos líderes de estados sobre a redução da produção de plástico como medida de mitigação das emissões de gases de efeito estufa. A indústria de combustíveis fósseis é a principal ameaça às mudanças climáticas, mas foi somente na COP28 (2023) que a sua transição foi aprovada, sendo essa uma conquista importante. No entanto, uma brecha significativa permanece: o impacto dos combustíveis fósseis na produção de plásticos. Com o avanço das tecnologias de eletrificação, a indústria do petróleo e gás redireciona seus investimentos para a petroquímica e produção de plásticos, o que pode triplicar as emissões de gases de efeito estufa provenientes desses materiais até 2050, ameaçando 20% do orçamento global de carbono (Laboratório Nacional Lawrence Berkeley – 2024)
Neste contexto podemos destacar a fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizada na abertura da 79ª Assembleia Geral da ONU, nesta terça-feira (24/09). Em seu discurso sobre a questão climática, o presidente Lula reconheceu os desafios enfrentados pelo Brasil, destacando os esforços de seu governo para superá-los. Ele afirmou que o mundo está cansado de acordos climáticos não cumpridos, da falta de ação em relação à redução de emissões de carbono e da ausência de auxílio financeiro aos países pobres, ressaltando que 2024 caminha para ser o ano mais quente da história moderna. Entretanto, o Brasil tem sido resistente em defender a redução da produção de plástico durante as sessões de negociações do Tratado Global sobre a Poluição Plástica. Segundo apuração da Folha de S.Paulo, essa resistência tem sido liderada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
A crise climática global exige medidas imediatas e contundentes em todos os setores, e a produção de plásticos é um dos grandes vilões que ameaçam os esforços internacionais para limitar o aquecimento global. Segundo um recente estudo do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, a produção de plásticos primários sozinha poderá comprometer drasticamente o orçamento global de carbono, colocando em risco as metas estabelecidas pelo Acordo de Paris. Mesmo que setores como transporte, energia e agricultura atinjam uma descarbonização completa, a contínua expansão da produção de plásticos poderá consumir, até 2060, todo o orçamento de carbono disponível (LBNL plastic policy brief ES – GAIA 2024).
A fim de evitar um colapso climático, especialistas afirmam que cortes profundos e rápidos na produção de plásticos são essenciais. Para alinhar a produção com os objetivos do Acordo de Paris, será necessário reduzir a fabricação de plásticos primários entre 11,8% e 17,3% ao ano a partir de 2024 (LBNL plastic policy brief ES – GAIA 2024). Essa medida não só reduziria as emissões de gases de efeito estufa associadas à extração e produção de polímeros, como também preservaria o orçamento de carbono para setores essenciais à economia global.
As evidências apontam que o impacto dos plásticos no clima começa já na extração de combustíveis fósseis, utilizados como matéria-prima e fonte de energia para a produção de plásticos. O ciclo de vida completo dessa cadeia produtiva precisa ser rigorosamente avaliado e regulamentado para evitar que o aumento da produção inviabilize os esforços globais de mitigação climática (LBNL plastic policy brief ES – GAIA 2024).
É imprescindível que políticas internacionais, como o Tratado de Plásticos – atualmente em negociação, estabeleçam metas anuais de redução de produção, com foco em resultados concretos e mensuráveis. Apenas dessa forma será possível evitar o esgotamento prematuro do orçamento de carbono global e garantir que as futuras gerações não herdem um planeta irreversivelmente impactado pela crise climática.
Os plásticos são compostos de petróleo, gás e substâncias químicas, muitas delas altamente tóxicas. A reciclagem foi apresentada como uma solução pela indústria na década de 1980 como parte da gestão de resíduos, mas ela não atinge sequer 10% da produção mundial, falha em mitigar a crise, uma vez que continua a poluir com substâncias químicas perigosas. Estudos recentes destacam que mais de 16.000 substâncias químicas estão presentes no plástico, das quais 4.200 são consideradas substâncias químicas perigosas para a saúde e para o meio ambiente. A produção crescente de plásticos ameaça tanto o clima quanto a biodiversidade e a saúde pública, com impactos comprovados sobre a fertilidade, o desenvolvimento cerebral e o sistema imunológico dos seres vivos, entre outros danos de difícil reversão.
O Tratado de Plásticos, atualmente em negociação na ONU, deve ser considerado não apenas um acordo ambiental, mas também de saúde, abordando o ciclo de vida completo dos plásticos e sua superprodução. Se falharmos em regulamentar essa expansão, as consequências climáticas e sanitárias para as futuras gerações serão desastrosas.
Diante deste cenário, grupos de organizações da sociedade civil pedem que os negociadores do Tratado sobre a Poluição dos Plásticos cheguem a um acordo que aborde de forma eficaz a poluição por plásticos em todo o seu ciclo de vida. Com mais de 3500 sugestões de texto, após a rodada de negociações que ocorreu em abril deste ano no Canadá, o desafio para os sete dias restantes de negociação (INC-5) previstas para ocorrerem na Coréia do Sul, em novembro, é grande. Como consequência deste cenário, uma série de reuniões estão ocorrendo sem transparência e sem a participação da sociedade civil. Para enfatizar a necessidade de garantir uma participação pública robusta no processo de negociação, as organizações da sociedade civil organizaram diversas ações simultâneas que serão realizadas por grupos em vários países para apoiar um tratado ambicioso e eficaz, que inclua medidas juridicamente vinculantes e normas que abracem todas as fases da cadeia produtiva dos plásticos.
As reivindicações incluem a eliminação de substâncias químicas perigosas, apoio a sistemas de reutilização, um mecanismo financeiro robusto para transferir recursos dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento e medidas para uma transição justa para trabalhadores afetados pela cadeia de produção de plásticos. Com a última sessão de negociação (INC-5) prevista para novembro em Busan, Coreia do Sul, os grupos continuam a pressionar por um tratado que trate a crise do plástico de forma integral, indo além da difícil tarefa de regular a gestão de resíduos, para garantir soluções globais duradouras e eficazes.
Ecimara dos Santos Silva é Gestora em Saúde Ambiental e Membro do Comitê Gestor da Aliança Resíduo Zero Brasil.
*Artigo publicado originalmente na Diplomatique https://diplomatique.org.br/para-ir-alem-do-discurso-governo-lula-precisa-liderar-o-tratado-global-contra-poluicao-plastica/