Manifesto da Sociedade Civil e de Cientistas para um Tratado Global Efetivo Contra a Poluição Plástica
- A crise global causada pela poluição por plásticos resulta em uma série de impactos negativos para o meio ambiente, a saúde e a segurança alimentar, além de prejuízos econômicos e à biodiversidade. De origem fóssil, a produção de plástico intensifica outras emergências ambientais, como a emergência climática.
Diante desse cenário alarmante, os signatários deste Manifesto exigem a implementação de um Tratado Global Contra a Poluição Plástica juridicamente vinculante, ambicioso e efetivo para reduzir a poluição por plástico e que considere todo o seu ciclo de vida, conforme o mandato da Resolução 5/14 estabelecido na 5a Assembleia Ambiental das Nações Unidas em 2022. A sociedade civil brasileira, respaldada pela ciência, ergue-se para afirmar seu compromisso com o bem comum, repudiando conflitos de interesses que ameacem a integridade desse propósito e a efetividade do Tratado Global Contra a Poluição Plástica.
Diante da persistência dos “negócios como de costume” e da distorção de prioridades, expressa através de argumentos sobre “impactos econômicos” e “perda de empregos” associados à substituição e redução da produção de plásticos, é imperativo reafirmarmos o propósito fundamental que deu origem ao desenvolvimento de um instrumento internacional vinculativo para combater a poluição plástica: a conservação do meio ambiente e a garantia
da qualidade de vida e da saúde humana.
Esse objetivo só será alcançado se o Tratado considerar todo o ciclo de vida da produção de plásticos. De acordo com a ISO 14040, o ciclo de vida de um produto tem início na obtenção ou extração da matéria-prima, até sua disposição final. Na legislação brasileira, a Lei no 12.305/2010, que regulamenta a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), define o ciclo de vida do produto como a “série de etapas que envolvem o desenvolvimento do produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a disposição final”. De acordo com essa definição, que é respaldada
pela literatura científica internacional, a extração de petróleo, matéria-prima para a produção de plásticos, faz parte do ciclo de vida e, portanto, deve ser considerada na negociação deste Tratado Global Contra a Poluição Plástica.
A poluição por plásticos é um problema de saúde pública. É cientificamente comprovado que nanoplásticos e microplásticos, bem como aditivos químicos tóxicos presentes em produtos plásticos, representam um sério risco à saúde humana e à qualidade de vida.
Estudos demonstram que os microplásticos aumentam o risco de ataques cardíacos e AVCs. Cientistas já encontraram partículas de plástico na corrente sanguínea, na placenta, em fetos, no pulmão e em diversos outros órgãos vitais humanos. Além disso, há inúmeras evidências científicas dos efeitos nocivos de aditivos químicos adicionados aos plásticos ao sistema endócrino, imunológico, renal e respiratório, podendo causar câncer e danos neurais.
A poluição plástica impõe um ônus econômico à sociedade, onerando e sobrecarregando ossistemas de saúde pública. Importante ressaltar que grupos vulneráveis são ainda mais suscetíveis a esses impactos negativos, principalmente devido à falta de saneamento básico e gestão inadequada de resíduos. Assim, reconhecemos que continuar utilizando substâncias químicas e polímeros de preocupação, que podem ser classificados como perigosos devido ao seu elevado potencial de toxicidade, impedem a transição para uma sociedade global justa e segura; portanto, eles devem ser eliminados. A falta de conhecimento sobre as substâncias químicas e suas quantidades adicionadas ao plástico exige a criação de um mecanismo global de transparência e rastreabilidade, para que as decisões sobre a gestão dessas substâncias de preocupação possam ser tomadas responsavelmente pelas autoridades, de forma a garantir, minimamente, segurança para todos os envolvidos na cadeia dos plásticos.
Além dos custos com saúde pública, os custos da poluição plástica nos ecossistemas marinhos são estimados entre US$ 6 e 19 bilhões globalmente, com prejuízos econômicos nos setores de turismo, pesca e aquicultura. Considerando as atuais tendências de produção, comércio e uso de plástico, as projeções indicam ainda um aumento desses custos.
Os custos sociais associados ao plástico são ainda mais alarmantes, estimados entre US$ 2,2 trilhões e US$ 4,4 trilhões por ano, o que representa 3,5 a 7 vezes o valor econômico total atribuído à produção de plástico. Enquanto os benefícios econômicos da produção de plástico estão altamente concentrados em poucos países e indústrias, os custos sociais e ambientais são sentidos globalmente, impactando desproporcionalmente países em desenvolvimento, comunidades tradicionais e populações mais vulneráveis.
Estudos mostram que o custo global das medidas para reduzir a poluição por plástico em todos os países até 2040 esteja entre US$ 18,3 e 158,4 trilhões (incluindo o custo de uma redução de 47% na produção de plástico). Se nenhuma ação for tomada, o custo dos danos causados pela poluição plástica será muito maior, podendo chegar a US$ 281,8 trilhões1.
Medidas focadas no gerenciamento de resíduos não são suficientes para solucionar um problema dessa magnitude e historicamente não conseguem acompanhar a produção massiva de plásticos. É necessário priorizar medidas de não geração, reuso e reutilização do plástico, seguindo os princípios da prevenção, da precaução e do poluidor-pagador, assim como da hierarquia de resíduos, já estabelecidos em outras convenções ambientais. É
preciso garantia de reciclabilidade de produtos plásticos necessários, uma vez que grande parte dos rejeitos encontrados em cooperativas e associações de catadoras e catadores de materiais recicláveis contém basicamente plástico de uso único que não tem reciclabilidade
ou mercado comprador para ser reintroduzido na cadeia produtiva.
Há evidências contundentes que sustentam a necessidade de ações imediatas e decisivas em nível global para limitar e reduzir a produção de plásticos, padronizar e simplificar a diversidade de plásticos e aditivos, promover a prática da transparência pela indústria e fortalecer iniciativas de monitoramento harmonizadas entre os países, bem como garantir conformidade e fiscalização para prevenir e mitigar danos adicionais.
Como sociedade civil e comunidade científica, estamos comprometidos a fornecer os subsídios e as evidências necessárias sobre os danos ambientais, sociais e econômicos causados pela poluição plástica na saúde e no meio ambiente, incluindo seus danos nas mudanças climáticas, além dos possíveis cenários econômicos e impactos das políticas públicas e setoriais destinadas a resolver esta crise.
É urgente concentrarmos esforços na criação de um Tratado Global Contra a Poluição Plástica eficaz e ambicioso, envolvendo todos os setores e países, para garantir uma transição justa que não deixe ninguém para trás. As organizações signatárias deste Manifesto exigem que o governo brasileiro assuma sua responsabilidade sobre a poluição por plásticos e defenda:
• Metas de redução legalmente vinculativas para a produção de polímeros plásticos primários, incluindo a eliminação de subsídios à essa produção.
• Apoio à eliminação de substâncias químicas e polímeros tóxicos listados no Anexo A, por meio da criação de um mecanismo global de transparência e rastreabilidade desses aditivos.
• Metas legalmente vinculativas e com prazos específicos, de redução da produção e comercialização de produtos plásticos de uso único problemáticos e desnecessários, dando atenção especial à etapa de design e à proibição de projetos de obsolescência programada.
• Proibição da produção, do uso e do comércio de plásticos e produtos contendo microplásticos intencionalmente adicionados, com exceções específicas e cientificamente justificadas.
• Definições claras de reutilização, com metas de reuso quantitativas obrigatórias a serem alcançadas por setores de alto impacto, desde que seguras para a saúde e o meio ambiente.
• Implementação de sistemas obrigatórios de Responsabilidade Estendida do Produtor (EPR) globalmente harmonizados.
• Estabelecimento de metas de coleta seletiva e reciclagem segura com inclusão socioprodutiva de catadoras e catadores de materiais recicláveis, priorizando a redução de resíduos enviados para aterros.
• Não incentivo à adoção de soluções inadequadas, como a incineração, a co-incineração, a recuperação energética e a reciclagem química de resíduos plásticos.
- Assinam este Manifesto:
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- ACT Promoção da Saúde
- Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável
- Aliança Resíduo Zero Brasil (ARZB)
- Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
- Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço (ACBG Brasil)Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia Movimento Todos Juntos Contra o Câncer (Abrale)
- Associação Círculo Laranja
- Associação Civil Alternativa Terrazul
- Associação de Combate aos Poluentes (ACPO)
- Associação de Saúde Socioambiental (ASSA)
- Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan)
- Associação Nacional dos Diplomados do Prominp- ANDP
- Associação Projeto Hospitais Saudáveis (PHS)
- Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS)
- Casa do Rio
- Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano
- Centro de Agroecologia e Educação da Mata Atlântica (OCA)
- Centro Internacional de Água e Transdisciplinaridade (CIRAT)
- Coalizão O Clima é de Mudança
- Coletivo Martha Trindade
- Coletivo SOS Barueri
- Espaço de Formação Assessoria e Documentação
- Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama
- (FEMAMA)
- Flow Sustentável
- Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e
- Desenvolvimento Sustentável (FBOMS)
- Fórum Carajás
- Fundação Ellen MacArthur
- Fundação Grupo Esquel Brasil
- Gestos (Soropositividade, Comunicação e Gênero)
- Global Alliance for Incinerator Alternatives (GAIA)
- Greenpeace Brasil
- Instituto 5 Elementos – Educação para a Sustentabilidade
- Instituto Aqualung
- Instituto Árvores Vivas para Conservação e Cultura Ambiental
- Instituto Climainfo
- Instituto de Defesa de Consumidores (IDEC)
- Instituto de Governança e Controle do Câncer
- Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM
- Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)
- Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo
- Instituto Ecoe (IE)
- Instituto Ecosurf
- Instituto Geração Oceano X
- Instituto Linha D’Água
- Instituto Mar Urbano
- Instituto Physis Cultura & Ambiente
- Instituto Pólis
- Instituto Projeto Cura
- Instituto Protea
- Instituto SustentAção
- Jovens pelo Clima Brasília
- Liga das Mulheres pelo Oceano
- Lixo Zero – São José dos Campos SP
- Movieco
- Movimento em Defesa da Vida – Grande ABC/SP
- Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR)
- Movimento Urbano de Agroecologia (MUDA)
- Núcleo de Pesquisa em Organizações, Sociedade e Sustentabilidade
- Observatório da Política Nacional de Resíduos Sólidos (OPNRS)
- Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio)
- Observatório do Clima
- Oceana Brasil
- Onco Movimento
- Organização Movimento de Pimpadores (Pimp My Carroça)
- Perifalab
- Projeto Saúde e Alegria
- Rede de Educação Ambiental da Paraíba (REA-PB)
- Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA)
- Rede Oceano Limpo
- Simbiose
- Slow Food
- Sociedade Brasileira de Cancerologia
- Sociedade Civil Mamirauá (SCM)
- Sustainable Ocean Alliance (SOA) Brasil
- Toxisphera Associação de Saúde Ambiental
- União e Apoio no Combate ao Câncer de Mama (UNACCAM)
- Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
- Universidade Federal do Ceará
- Universidade Federal Fluminense
- Voz dos Oceanos
- WWF-Brasil
- ACT Promoção da Saúde
Referências:
Cordier M, Uehara T, Jorgensen B and Baztan J (2024). Reducing plastic production: Economic loss
or environmental gain? Cambridge Prisms: Plastics, 2, e2, 1–16 https://doi.org/10.1017/plc.2024.3
OECD (2023). Towards Eliminating Plastic Pollution by 2040: A Policy Scenario Analysis.
Organization for Economic Cooperation and Development.
UNEP (2021). From Pollution to Solution: A global assessment of marine litter and plastic
pollution. United Nations Environment Programme, Nairobi.
WWF (2021). PLASTICS: THE COSTS TO SOCIETY, THE ENVIRONMENT AND THE
ECONOMY – World Wide Fund For Nature (Formerly World Wildlife Fund), Gland,
Switzerland.