Governo revoga decreto que reautorizava importação de resíduos sólidos
Após forte pressão popular e articulação de movimentos sociais e cooperativas de catadoras e catadores, o governo federal revogou, em 07 de maio de 2025, o Decreto nº 12.438/2025, que voltava a permitir a importação de resíduos sólidos urbanos, como papel, vidro, plástico e metais. A revogação veio com o Decreto nº 12.451/2025, representando uma conquista significativa na luta pela valorização do trabalho das catadoras e catadores e pelo cumprimento da legislação ambiental brasileira.
A autorização prévia para importação havia sido feita sem consulta pública e em plena contradição com a Lei nº 15.088/2025, que proíbe expressamente a importação de resíduos sólidos. A manobra surpreendeu as organizações sociais, pois ocorreu em abril, em meio aos feriados prolongados, com pouca transparência e nenhum diálogo com o CIISC (Comitê Interministerial de Inclusão Social e Econômica dos Catadores e Catadoras) ou com entidades como a Ancat, Unicatadores e o MNCR (Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis).
“O Decreto 12.438 agravava ainda mais a situação já crítica herdada do governo anterior, quando as alíquotas de importação estavam zeradas. Permitir a importação de materiais de alta reciclabilidade, cuja coleta e reciclagem já são realizadas no Brasil há mais de 35 anos por cooperativas, associações de catadores e trabalhadores autônomos, representaria um grande retrocesso e colocaria em risco a sobrevivência desse setor, que já é historicamente fragilizado”, comenta Carlos Alberto Mendes Moraes, membro do comitê-gestor da Aliança Resíduo Zero Brasil, professor e pesquisador da Unisinos.
Um risco ao trabalho e à reciclagem nacional
O retorno da importação de resíduos colocava em risco direto o trabalho de milhares de catadoras e catadores, além de ameaçar o mercado nacional de materiais recicláveis. Entre 2020 e julho de 2023, as alíquotas de importação foram zeradas para alguns tipos de resíduos, como plásticos, papel e papelão, e vidro, resultando em queda no valor de venda desses materiais pelas cooperativas brasileiras. Isso trouxe impactos na renda de milhares de trabalhadoras e trabalhadores da coleta seletiva devido a redução do preço de materiais recicláveis pago pelas empresas do setor da reciclagem para as cooperativas, aumentou o volume de rejeitos encaminhados para aterros sanitários e enfraqueceu a cadeia da reciclagem no país.
Acordos internacionais e leis nacionais em risco
A tentativa de reautorização da importação também contrariava compromissos internacionais, como a Convenção da Basileia, que visa impedir que países desenvolvidos destinem seus resíduos a países em desenvolvimento, como por exemplo os poliméricos, vidro, aqueles contendo metais pesados, resíduos de equipamentos eletroeletrônicos, em especial os considerados perigosos pela legislação brasileira, prática comum em operações disfarçadas de exportação de “insumos estratégicos”.
O artigo 49 da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) também proíbe a importação de resíduos perigosos e de qualquer material sólido que possa causar danos à saúde humana, animal, vegetal ou ao meio ambiente, mesmo quando destinados à reutilização ou reaproveitamento.
Apesar dessas proibições, pesquisadores da Aliança Resíduo Zero Brasil identificaram que o Brasil importou em torno de 6.885 toneladas de resíduos poliméricos em 2023, um valor superior a 4,34 milhões de dólares – um crescimento de mais de 25% em relação ao ano anterior. Parte dessas cargas incluía resíduos perigosos camuflados, como demonstram apreensões realizadas pelo IBAMA em operações de devolução de resíduos aos países exportadores.
Mobilização e atenção para os próximos passos
A vitória da revogação do decreto é resultado direto da mobilização intensa dos movimentos de catadores, que ocuparam espaços de diálogo e denúncia. No último dia 24 de abril, representantes da Ancat, Unicatadores e MNCR estiveram reunidos com membros do governo federal, pressionando pela anulação da medida e exigindo respeito à legislação e à dignidade da categoria.
“O Decreto nº 12.438/2025 é terrível para nós catadores. Ela permite novamente a importação de resíduos sólidos como plásticos, metais, vidros, inclusive rejeitos. A justificativa apresentada pelo governo é a suposta carência de matéria-prima reciclável de qualidade para abastecer a indústria”, afirmou Roberto Rocha, presidente da Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (Ancat).
Com a revogação do Decreto nº 12.438/2025, a sociedade civil e os movimentos organizados reafirmam seu papel central na defesa da justiça socioambiental. Essa vitória evidencia que o Brasil precisa caminhar para a valorização do trabalho local e da economia circular, em vez de abrir espaço para receber resíduos dos países ricos.
“O decreto que o revoga vem a deixar claro o que pode e o que não pode, e que os agentes prestadores de serviço ambiental são os catadores, que tem conhecimento, domínio, e capacidade de fazer a valorização destes resíduos sólidos recicláveis de qualidade e de grande geração no Brasil”, relata Carlos.
A luta não acabou. Novos projetos de lei e decretos semelhantes podem surgir, e é essencial manter a vigilância e o diálogo com o governo. O futuro da reciclagem e a dignidade dos trabalhadores da coleta seletiva dependem da manutenção de políticas justas, inclusivas e sustentáveis.
Importação e exportação de resíduos
Desde 2022 a Aliança Resíduo Zero Brasil executa o projeto “Importação e exportação de resíduos sólidos urbanos e industriais no Brasil” que investiga os desafios enfrentados pelo Brasil na importação e exportação de resíduos sólidos, com foco especial nos resíduos poliméricos, à luz das diretrizes da Convenção de Basiléia.
Joice Pinho Maciel, sócia fundadora da Apoena Socioambiental, membro da Aliança Resíduo Zero Brasil, professora e pesquisadora da NucMat Unisinos relata os próximos passos: “a pesquisa chega à sua 3ª edição em 2025 com foco na atualização da base ComexVis/MDIC (2024/2025), análise da implementação da Lei nº 15.088/2025, que proíbe a importação de resíduos sólidos e rejeitos no Brasil, realização de um webinar com Alianzas Basura Cero de países latino-americanos para mapear rotas de importação/exportação de resíduos e elaboração de uma nota técnica com base nos dados atualizados.”
Autora: Thamara Santos de Almeida
Revisão: Alberto Mendes Moraes