Especialistas cobram ação imediata do Brasil contra poluição por plástico
Em audiência no Senado, pesquisadores e representantes da sociedade civil defenderam a criação de leis que limitem a produção plástica e fortaleçam a logística reversa de resíduos
O Brasil é o oitavo maior poluidor plástico do planeta e ainda não tem uma lei que limite a produção ou a oferta de produtos plásticos problemáticos. Enquanto um número significativo de países já baniu ou restringiu itens como sacolas, canudos, cotonetes, copos e talheres descartáveis, o país segue na contramão das boas práticas ambientais. A necessidade de avançar com uma legislação clara e eficaz foi um dos principais alertas feitos por especialistas durante audiência pública realizada na manhã desta quinta-feira (24), na Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado Federal.
“O Brasil ocupa a vergonhosa posição de oitavo maior poluidor plástico do mundo, sem nenhuma política pública efetiva para conter essa poluição. O resultado disso é que a gente gera milhões de toneladas de plástico que não são recicláveis e que vão parar no meio ambiente. O Brasil contribui com 1,3 milhão de toneladas de plástico no mar todos os anos. Isso gera um impacto ambiental, um impacto para a saúde humana e um impacto econômico”, alertou a gerente sênior de advocacy e estratégia da Oceana, Lara Iwanicki.
Por sua potência intelectual e ambiental, o Brasil tem condições de ser exemplo para o mundo. Apesar disso, não existem fortes movimentações dos entes federativos e dos demais atores envolvidos na cadeia produtiva do plástico em reduzir os índices de poluição. Essa inércia não favorece o posicionamento brasileiro frente aos demais países signatários do Tratado Global. “É obrigação do Estado uma regulação, para que a população possa fazer escolhas saudáveis. A gente não tem que esperar a finalização da negociação do Tratado Global para avançar com regulamentações nacionais em várias áreas que dizem respeito ao problema da poluição plástica”, defendeu Paula Johns, diretora executiva da ACT Promoção da Saúde.
“Não se pode esperar pelo tratado global para resolver nossos problemas internos. Primeiro, porque não se sabe como acontecerá; segundo, porque nós somos um dos 17 países megadiversos do planeta. Então, nós temos um interesse maior do que o dos demais países e, por isso, devemos nos antecipar, a exemplo do que já é feito na Europa”, acrescentou Ítalo Braga de Castro, pesquisador do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Além de estar entre os dez maiores poluidores do mundo, o Brasil também é o maior produtor de plástico da América Latina. São produzidos em solo brasileiro cerca de sete milhões de toneladas de plástico por ano. Desses, três milhões de toneladas são de plástico de uso único, como embalagens e produtos descartáveis.
Esse total equivale a, aproximadamente, 500 bilhões de itens por ano, ou 15 mil itens por segundo. O Brasil despeja a cada ano 1,3 milhão de toneladas de lixo plástico nos oceanos. Esses dados mostram que o problema se tornou uma questão de saúde pública e, por não ter fronteiras, configura-se como uma crise mundial.
“Enquanto a gente continuar focando o gerenciamento de resíduos, que é um pedaço importante desse processo, mas não é só isso, a gente vai seguir perpetuando esse problema. Então, a gente precisa investir em políticas públicas, estruturar melhor as políticas dentro do Brasil”, acrescentou Lara Iwanicki.
Impacto econômico
Além dos impactos na saúde e meio ambiente, os resíduos plásticos geram prejuízos econômicos. De acordo com Iwanicki, há um custo de R$ 9,5 trilhões por ano, que recai sobre os consumidores: “A gente precisa colocar nessa equação o custo da externalidade negativa que não é paga pelo setor que coloca embalagem não reciclável no mercado e que não arca com o custo do gerenciamento de resíduos, da coleta, do design inclusive. Esse é um custo de R$ 9,5 trilhões por ano, que é pago por quem está na ponta”, argumentou a gerente de advocacy e estratégia da Oceana.
A externalidade negativa é quando uma atividade gera prejuízos para terceiros que não estão envolvidos diretamente nela. No caso da indústria do plástico, esse custo é arcado majoritariamente pela sociedade, e não pelas empresas que colocam no mercado produtos de uso único e embalagens não recicláveis. Esse modelo transfere para o poder público — e, portanto, para os contribuintes — a responsabilidade pelo gerenciamento de resíduos, pela coleta e até pelas perdas econômicas causadas à navegação, ao turismo, à pesca e a outros setores impactados.
Os prejuízos ambientais e financeiros causados por esses produtos não são incorporados ao custo de produção das empresas, mas acabam sendo socializados de forma desigual. O problema se reflete, inclusive, em biomas como o Pantanal e afeta estados com forte vocação turística e pesqueira. “É um impacto, é um prejuízo econômico para o setor de turismo, para o setor de pesca, navegação, recreação e tem um custo de gerenciamento de resíduos que é pago por meio de impostos. Então, esse custo de R$9,5 trilhões precisa ser colocado na equação quando a gente vai falar de prejuízos econômicos, porque isso também é impacto negativo”, defendeu Iwanicki.
Por outro lado, existe a preocupação com a perda de emprego e as consequências para setores da economia, como a indústria, que a eliminação de produtos plásticos poderia causar. Frente a isso, a Oceana, em parceria com a WWF Brasil e a Systemiq, realizou um estudo que mostra que o banimento de certos itens descartáveis não deverá causar impactos significativos, uma vez que o setor já enfrenta um declínio.
De acordo com o estudo, que analisa as oportunidades na transição para um Brasil sem plásticos de uso único, na ausência de produtos descartáveis, a demanda deve ser deslocada para materiais alternativos, como vidro, alumínio, papel ou compostáveis. Ademais, substituir os insumos poluidores por alternativas mais sustentáveis também pode trazer ganhos econômicos.
O estudo analisou ainda o valor gerado por diferentes setores da economia e mostrou que essa mudança poderia aumentar em 53% o valor de mercado das atividades envolvidas. Usando um modelo econômico com dados de 2015, os pesquisadores estimaram que a migração da demanda por produtos plásticos para opções mais sustentáveis teria um impacto positivo no Produto Interno Bruto (PIB) do país, adicionando cerca de R$ 403 milhões à economia brasileira.
Tratado Global
Os especialistas que debateram o tema na audiência pública no Senado reforçaram a importância de o Tratado Global de Combate à Poluição por Plásticos trazer medidas eficazes para reduzir o problema que se tornou uma crise mundial.
“Esse tratado precisa trazer medidas de redução, medidas de eliminação de produtos plásticos problemáticos, de produtos químicos que são nocivos para a saúde comprovadamente. A gente também precisa entender o ciclo de vida do produto plástico, que começa na restauração de petróleo. Plástico é petróleo, emite gás carbônico e impacta toda a sua cadeia produtiva”, disse Lara Iwanicki.
O posicionamento dos pesquisadores e organizações da sociedade civil é que o tratado seja juridicamente vinculante, com metas de redução quantificáveis, com prazo, com setores específicos, com listas específicas.
Desde 2022, quando 175 países aprovaram resolução na Assembleia da ONU para o Meio Ambiente (Unea-5), as negociações do tratado avançam por meio de um comitê internacional. A meta era firmar um acordo global juridicamente vinculante que enfrente a poluição plástica em todas as suas etapas, da produção ao descarte, até o fim de 2024.
A quinta rodada de negociação do Tratado Global aconteceu em novembro do ano passado em Busan, na Coreia do Sul. A previsão era de que ela seria a última reunião, mas o lobby da indústria petroquímica impediu um consenso, apesar do apoio da maioria dos países por medidas de redução da produção de plásticos.
Esse impasse impossibilitou o alcance da meta de finalizar o pacto global até 2024. Assim, uma nova reunião ficou combinada para agosto deste ano, em Genebra.
Autores: Warner Bento Filho e Aline Brito.
Foto de capa: Edilson Rodrigues/Agência Senado